Ernesta Perri Ganzo

advogada, tradutora e intérpretes

buon appetito
16 julho 2010

“Tutto il giorno di corsa,
a pranzo un panino…” [1]

Entre um tomate e outro sempre aproveito para beliscar alguma coisa ou tomar um cafezinho. Perto das 15 horas meu estômago começa a reclamar e lá vou eu preparar bolo, café e alguma coisa salgada para aplacar minha fome atávica. Quando tenho mais tempo, ou estou cansada, converso no skype ou no twitter com outras tradutoras.

Durante essas conversas me dei conta de que os tradutores, por vezes, estão tão concentrados no trabalho (com a “tia Dédi” chicotando), que se esquecem de se alimentar. E comentam: “São 3 horas da tarde e ainda não almocei.” 

Mas… peraí! Para mim o pranzo sempre foi lá pelas 14 horas. Não soa tão estranho assim almoçar tarde.

De qualquer modo, sempre achei interessantes as diversas terminologias das refeições e, tempos atrás, traduzindo um “mattinale” — resumo dos eventos mais importantes das últimas 24 horas — para uma “colazione di lavoro[2]“, observei que a terminologia italiana confunde um pouco os desavisados. Afinal, o que é colazione, colazione al sacco, colazione d’affari, colazione di lavoro, pranzo, merenda, e cena?

Vamos fazer um passeio pela Roma antiga.

Os romanos costumavam dividir o dia em duas partes, o dia (das 6h às 18h) e a noite (das 18h às 6h do dia seguinte), tendo assim cada parte 12 horas. Durante o dia eles consumiam três refeições. A primeira, chamada de jentaculum, desjejum, era uma refeição frugal e incluía um copo de água, pão com sal, azeitonas, uva passa, por vezes queijo e algumas frutas. Não tinha hora fixa, era depois do despertar, ou seja, entre às 6 horas e às 9 horas, dependendo dos hábitos de cada família e, portanto, da condição social.

A segunda refeição era o prandium, consumida na sexta hora do dia, ou seja, lá por volta de meio-dia, e servia para recarregar as energias. Muitas vezes eram sobras do dia anterior, pouco mais que um lanche com carnes frias, alguns queijos, fruta e vinho, consumidos em pé.

A terceira e mais importante refeição era a cena, que começava por volta da nona hora do dia, no inverno — isto é, por volta das 15 horas – e, no verão, depois da décima hora do dia — 16 horas — em alguns casos prolongando-se noite adentro.

Durante a cena, deitados em triclinia (do grego Klinai, espécie de divã para três pessoas), os romanos conversavam com os convidados, atualizando-se sobre as questões políticas e econômicas, entretidos por malabaristas, músicos e bailarinas.

Quando o império romano começou a declinar, o prandium tornou-se a refeição principal para a maior parte da população. E assim permaneceu quando começou a ser usada a língua italiana.


A palavra colazione começou a ser usada para indicar uma breve refeição matinal; o pranzo, a refeição principal do dia; e a cena a refeição da noite. Também são usadas as expressões dopo pranzo   –  depois do almoço  –  para indicar o período da tarde e dopo cena para indicar as horas da noite. 

Mas, se formos analisar os usos regionais, as coisas são mais confusas do que parecem. Ainda hoje, em parte da Itália, denomina-se a primeira refeição do dia de prima colazione, enquanto colazione ou seconda colazione indica a refeição de meio-dia — o almoço — e o pranzo indica o jantar. 


Muitos italianos  na colazione consomem somente um caffè ou um cappuccino com uma brioche calda,  chamada também de cornetto, no bar da esquina, lendo o jornal e conversando com os amigos, antes de começar o expediente.


Nas metrópoles e nas áreas industriais, o pranzo já perdeu o significado de refeição principal, pois a maioria consome um panino no próprio local de trabalho, eventualmente em pé, como os antigos romanos, ou uma refeição rápida numa tavola calda
A família reúne-se mais à noite, tornando a cena a refeição principal do dia, que assume então o significado de pranzo.

Para quem frequenta a alta sociedade, colazione é o almoço de meio-dia, pranzo é o jantar e cena é a refeição com os amigos à noite, depois do teatro ou do concerto, dopo teatro ou dopo concerto.

  
De qualquer forma, posso dizer que os italianos são conservadores e gostam de preservar alguns hábitos.

Entre as tradições mais arraigadas encontra-se a clássica tazzina di caffè, que encerra o pranzo (como mostra aqui Sofia Loren), a tão apreciada pennichella [3], ou pisolino (“quella mezz’ora di dormita che si faceva nonno”, como cantava Nino Manfredi), e o famoso pranzo della domenica[4], considerada a refeição semanal mais importante para as famílias italianas, principalmente no sul, onde quase virou uma instituição.

Outra tradição, que muda de nome (e receita), dependendo da região, é o aperitivo. No Veneto, toma-se o centenário spritz, ou sprissetto, acompanhado por noccioline, patatine, olive, gelo e limão e os  clássicos cicchetti; em Torino, a Merenda Sinora[5] ou um vermouth; no resto da Itália, um aperitivo, acompanhado de noccioline e olivette, sempre por volta das 19 horas, ou depois do expediente, momento em que o pessoal se reúne com os amigos em algum bar e aproveita para comentar os fatos do dia.

Por esse motivo, se um italiano convidá-lo para uma colazione, confirme antes se é a prima colazione ou a seconda colazione. Assim como, se for combinar um jantar (pranzo ou cena) com alguém, não se esqueça de ser bem específico quanto aos horários, para não correr o risco de ficar sozinho. 

Para encerrar, a cena clássica do filme “Sabato, domenica e lunedì”, de Lina Wertumuller, uma das mais belas peças teatrais do grande Eduardo De Filippo, que magistralmente mostra o ritual do pranzo domenicale e do clássico ragù, razão de viver da dona Rosa, que começa com os preparativos já no sábado.  Dá até para sentir o cheiro e ficar com água na boca. 


[1]Ritornello famoso de uma merendina italiana.
[2]colazione di lavoro é um pranzo completo com direito à entradas, primo secondo piattoliquore e caffè
[3]Siesta depois do almoço
[4]Il pranzo della domenica degli italiani 
[5]Não confundir com a merenda, hora do lanchinho da tarde e nome dado ao próprio lanche
Mattinale
Tipica colazione di lavoro
Pranzo
Pausa pranzo
Colazione
Alimentazione nell’antica Roma
Piccolo glossário della Scuola Alberghiera del Friuli Venezia Giulia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

©2010 – 2025 Ernesta Perri Ganzo. Todos os direitos reservados.
WebStile :: Maringá PR